Os gemidos da árvore
27 mars 2016
Há um murmúrio na floresta,
27 mars 2016

GNOMOS DO LUAR QUE FAZ SELVAS

Gnomos do luar que faz selvas
As florestas sossegadas,
Que sois silêncios nas relvas,
E em almas abandonadas
Fazeis sombras enganadas,

Que sempre se a gente olha
Acabastes de passar
E só um tremor de folha
Que o vento pode explicar
Fala de vós sem falar,

Levai-me no vosso rastro,
Que em minha alma quero ser
Como vosso corpo, um astro
Que só brilha quando houver
Quem o suponha sem ver.

Ah, sentir tudo de todos os feitios!
Não ter alma, não ter
Só diversos modos —
Seja eu leitura variada
Para mim mesmo!

Assim eu que canto ou choro
Quero velar-me e partir.
Lembrando o que não memoro,
Alguém me saiba sentir,
Mas ninguém me definir.

    (26-8-1930)
Fernando Pessoa (1888-1935),
In “Poesias Inéditas” (1919-1930), Ática, 1956 (imp. 1990).