Os Figos Pretos

A Voz da Tília
27 mars 2016
Árvore
27 mars 2016

Os Figos Pretos

– Verdes figueiras soluçantes nos caminhos!
Vós sois odiadas desde os seculos avós:
Em vossos galhos nunca as aves fazem ninhos,
Os noivos fogem de se amar ao pé de vós!

– Ó verdes figueiras! ó verdes figueiras
    Deixae-o fallar!
Á vossa sombrinha, nas tardes fagueiras,
    Que bom que é amar!

– O mundo odeia-vos. Ninguem nos quer, vos ama:
Os paes transmittem pelo sangue esse odio aos moços.
No sitio onde medraes, ha quazi sempre lama
E debruçaes-vos sobre abysmos, sobre poços.

– Quando eu for defunta para os esqueletos,
    Ponde uma ao meu lado:
Tristinha, chorando, darà figos pretos…
    De luto pezado!

– Os aldeões para evitar vosso perfume
Sua respiração suspendem, ao passar…
Com vossa lenha não se accende, á noite, o lume,
Os carpinteiros não vos querem aplainar.

– Oh cheiro de figos, melhor que o do incenso
    Que incensa o Senhor!
Podesse eu, quem dera! deital-o no lenço
     Para o meu amor…

– As outras arvores não são vossas amigas…
Mãos espalmadas, estendidas, supplicantes,
Com essas folhas, sois como velhas mendigas
N’uma estrada, pedindo esmola aos caminhantes!

– Mendigas de estrada! mendigas de estrada!
    E cheias de figos!
Os ricos là passam e não vos dao nada,
    Vos daes aos mendigos…

– Ai de ti! ai de ti! ó figueiral gemente!
O goivo é mais feliz, todo amarello, lá.
Ninguem te quer: tua madeira é unicamente
Utilizada para as forcas, onde as ha…

– Que màs creaturas! que injustas sois todas
    Que injustas que sois!
Serà de figueira meu leito da bodas…
     E os berços, depois

– Tragicas, nuas, esqueleticas, sem pelle,
Por traz de vós, a lua é bem uma caveira!…
Ó figos pretos, sois as lagrymas d’aquelle
Que, em certo dia, se enforcou n’uma figueira!

– Tambem era negro, de negro cegava
    O pranto, o rosario,
Que, em certa tardinha, desfiava, desfiava,
    Alguem, no Calvario…

– E, assim, ao ver no outomno uma figueira nua,
Se os figos caem de maduros, pelo chão:
Cuido que é a ossada do Traidor, á luz da lua,
A chorar, a chorar sua alta traição!

– Ó minhas figueiras! ó minhas figueiras
    Deixae-o fallar!
Oh! vinde de hi ver-nos, a arder nas fogueiras
    Cantar e bailar…

Coimbra, 1889
António Nobre (1867-1900),
in ‘Só’, Paris 1892
(Ortografia da edição original)