Vegetação de Infância

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Vegetação de Infância

«Onde está a antiga nogueira cujas raízes
entravam pela água? Sei que os seus ramos se partiam
de cada vez que o ribeiro enchia; que as folhas
se espalhavam pelo tanque, antes de se afundarem,
formando um lodo em que os pés escorregavam;
que o barulho das rãs ecoava na sua copa, enquanto
a noite se agitava com o vento frio que trazia
o outono. Mas de nada me serve este conhecimento,
agora que nada me diz se a nogueira existe, ainda,
nessa margem onde me sentei, ouvindo as rãs
e o vento, sem que me apercebesse do trabalho do tempo
no fundo das raízes. Ou antes: o que ele me dá é
uma inquietação áspera como o sabor das nozes
que se colhiam dessa árvore. Atiro-as para o armazém
da memória onde as sombras se acumulam; e
entro nessa árvore, como se fosse uma casa,
ou como se as suas ramagens se abrissem
num bater de asas impotentes para o voo.»

 

Nuno Júdice 
in « Teoria Geral do Sentimento » 1999